Cleise Mendes
Por três dias,
meu pai se vestia de mulher.
Roubava um batom, um sutiã
e a toalha da mesa virava uma saia
que mal dava para envolver o corpanzil
e o ventre momesco.
Na esquina, o bloco das senhoritas
cheio de tios, primos e demais
alegres recém-libertos;
irmanavam trejeitos e gritinhos
e a cerveja escorria
entre sarongs, bustiês
e bocas mal pintadas.
Sem álcool, sem lança-perfume,
meu pai sorvia a inteira embriaguez
dos requebros sonoros da voz afinada
driblando leis e gravidades.
Na quarta-feira,
meu pai retirava da gaveta
seus ditos e preceitos:
meninos jogam bola e meninas
furam redes – só pra contrariar.
Os homens são de Marte,
as mulheres, ninguém sabe
o que querem, de onde vêm,
no máximo de Plutão,
aquele menorzinho e mais distante
mundo desconhecido,
e está escrito que sobre a Terra
cabe aos marcianos o comando.
Mas por três dias
podia relaxar dessa missão:
sentir a delícia do ar vibrando
em pernas nuas,
e estar assim a levitar
como qualquer móbile doidivana,
aérea, venérea, esvoaçante,
como qualquer sereia sem noção
da própria dança.
Salvador, 9 de fevereiro de 2023