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By Paola Cantarini

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Construindo uma “Smart Polis”: metainovação e desenvolvimento sustentável e inclusivo como abordagens indispensáveis para as tecnologias disruptivas

Paola Cantarini

Adotando uma perspectiva zetética, em que o questionamento constante e o pensamento livre e criativo são mais importantes do que respostas prontas e acabadas, no sentido de definitividade e fechadas em “dogmas” ou “cânones” inquestionáveis, diante das constantes mudanças da própria tecnologia, questiona-se: quais são as oportunidades e desafios presentes nas atuais legislações voltadas à inovação no país? No que o direito comparado poderia nos ajudar? Como transformar conhecimento científico e tecnológico em soluções que aumentem a qualidade de vida e o bem-estar da população como um todo, reduzindo desigualdades e injustiças e diminuindo o que se chama de novo “apartheid” social (Paula Sibilia)? É possível falar em regular aspectos da inovação ou regular tecnologias disruptivas como a inteligência artificial sem necessariamente afastar o Brasil da competitividade internacional e obstar a inovação, mas, ao contrário, aproximando o Brasil do ecossistema global de inovação?

Fala-se em uma nova Revolução Industrial (Relatório de 2017 – Recomendação à Comissão Europeia sobre disposições de Direito Civil sobre robótica), a partir da nova fase da inteligência artificial (IA), com os “modelos de fundação” – “Foundation models” –, que estão acelerando o seu progresso, com habilidades antes não previstas, e na 6ª onda da inovação tecnológica, a partir das transformações profundas na sociedade e na economia com as inovações tecnológicas desde o início do século XXI. Agora, as tecnologias digitais e a IA são somadas às tecnologias da informação e comunicação surgidas na segunda metade do século XX.

Direito, ciência, tecnologia e inovação podem ser vistos e pensados como sistemas sociais interligados e dependentes, ou seja, fazendo parte do ecossistema de inovação, o que é corroborado pelo fato de ter o Direito reconhecido a importância da temática da inovação, em especial com a Emenda Constitucional 85/2015, que altera e adiciona dispositivos na Constituição Federal para atualizar o tratamento das atividades de ciência, tecnologia e inovação, falando-se em “Constituição Tecnocientífica”, com destaque para o dever do Estado de promover e direcionar o desenvolvimento de um verdadeiro “direito fundamental específico”, “o direito à ciência, tecnologia e inovação, material e historicamente determinado” (Lucas de Faria Rodrigues, “A Concretização da Constituição Tecnocientífica: o regime jurídico fundamental da ciência, tecnologia e inovação”, Editora Fundação Fenix, 2021).

Assim como ocorre com o conceito de IA, não é unânime também o conceito de inovação possui algumas particularidades, pois poderá variar de significado em diversos contextos, conforme os autores e o enfoque do referencial teórico adotado, havendo, pois, diversas perspectivas. O conceito de inovação, portanto, não é homogêneo, daí muitos pesquisadores acabarem limitando seu entendimento no sentido de inovação ser tecnológica, ou misturando com outros conceitos como o de invenção, o que por si só traz a necessária justificativa para a criação de estudos envolvendo tal questão.

Um dos pontos chave e de maior dificuldade no Brasil para poder se falar em desenvolvimento tecnológico é como transformar a pesquisa científica e o conhecimento gerado em ações concretas de inovação que ensejem maior qualidade de vida da população e torne o país mais competitivo internacionalmente, e assim sair da posição de ter um sistema nacional de inovação periférico, apesar de possuir legislação específica há diversos anos, embora tardiamente, se compararmos com países líderes em inovação.

Portanto, apesar de conquistas recentes no sentido de elaboração de leis com o escopo de beneficiar/incentivar a ciência, tecnologia e inovação (CT&I), o Brasil permanece sendo o 13º colocado em termos de produção científica (2,7% do total mundial), ocupando a 70ª posição no ranking internacional de inovação (https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8125/1/Pol%C3%ADticas%20de%20apoio%20à%20inovação%20tecnológica%20no%20Brasil.pdf).

Além da Emenda Constitucional 85/2015, que torna a temática da inovação missão do Estado brasileiro em todos os níveis federativos, podem ser citadas como legislações afetas à temática da inovação, em um grande arcabouço legislativo que demanda por si só uma análise integrada e sistêmica: a Lei 13.243/2016, dispondo de estímulos ao desenvolvimento científico, à pesquisa, à capacitação científica e tecnológica e à inovação; a Lei 12.863/13, que trata das fundações de apoio; a Lei 13.123/2015, acerca do acesso a biodiversidade; a Medida Provisória 718/16, sobre importações pelas fundações de apoio; a Lei Federal 10.973/2004 (Lei de Inovação Tecnológica – LIT), que dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá outras providências; o Decreto Federal de Inovação – Decreto 9.283/2018, que regulamenta a Lei 10.973/2004; a Lei 13.243/2016, estabelecendo medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, com vistas à capacitação tecnológica, ao alcance da autonomia tecnológica e ao desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional; a Lei 14.180/2021, que institui a Política de Inovação Educação Conectada; a Lei 11.196/05, denominada Lei do Bem, sendo a principal lei de incentivo fiscal para empresas que investem em tecnologia; legislações estaduais acerca da inovação: São Paulo, Amazonas, Ceará, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, dentre outros; o Decreto Estadual 62.817/2017, denominado de Decreto Paulista de Inovação, que regulamenta a Lei Federal 10.973/2004 e a LC estadual 1049/2008, também denominada de Lei Paulista de Inovação, dispondo sobre medidas de incentivo à inovação tecnológica, à pesquisa científica e tecnológica; a Lei 13.243/2016, denominada o novo Marco Legal de Inovação, trazendo atualizações à Lei 10.973/2004 e alterações legislativas em outras leis (Lei das Fundações de Apoio, Lei do Estrangeiro, Lei de Importações de Bens para Pesquisa, Lei de Isenções de Importações, Lei das Contratações da Temporárias); o Decreto Paulista para Soluções Inovadoras – Decreto Estadual 61.492/2015, que institui procedimento para apresentação, análise e teste de soluções inovadoras que contribuam com questões de relevância pública, encaminhadas pela iniciativa privada mediante provocação do Poder Público do Estado de São Paulo.

E, no entanto, a doutrina especializada aponta para diversos problemas afetos à realidade do Brasil como país periférico no tocante à inovação, tais como, dificuldade de articulação do conhecimento científico teórico com a prática concreta por meio de parcerias, produção científica nacional em inovações tecnológicas (o Brasil ainda representa 1,8% da produção científica mundial em inovações tecnológicas), além de outros entraves à inovação do país relacionando-se com a educação de baixa qualidade, o baixo desempenho em patentes devido a barreiras legais, institucionais, financeiras e culturais, entre outros desafios que igualmente fazem parte da indústria do software livre ou das startups, tais como a falta de um ecossistema adequado para dar suporte ao desenvolvimento de projetos e empresas, além do complexo arcabouço regulatório trazendo insegurança jurídica e dificuldades de interpretação sistemática e não apenas gramatical.

Por conseguinte, o país ainda se enquadra como sistema nacional de inovação periférico, caracterizado por sistemas de inovação ainda imaturos, com inovações de natureza incremental e não propriamente radical, com maior atraso em comparação com outros países e com menor alcance espacial, devido à enorme concentração de renda, a se refletir também no alcance de serviços e bens digitais, por exemplo, para apenas pequena parcela da população.

Segundo as palavras de Alessandro Teixeira e Mario Sérgio Salerno, a iniciativa nacional de inovação passa por sérios problemas, uma vez que as empresas brasileiras competem com os fabricantes de produtos padronizados, que buscam liderança em custos, e também competem com as empresas que lançam produtos inovadores, abrem nichos e criam necessidades (https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-lei-de-inovacao-tecnologica-no-cenario-brasileiro/187974408).

Para Ronaldo Lemos, “para inovar, um país precisa ter regras civis claras, que permitam segurança e previsibilidade nas iniciativas feitas na rede (como investimentos, empresas, arquivos, bancos de dados, serviços etc.)”, apontando ainda que o MCI (Marco Civil da Internet) foi “uma conquista imensa para o Brasil e um dos pilares essenciais para se promover a inovação”, destacando ser um projeto não de governo ou partido, mas da sociedade, além do seu objetivo de facilitar a inovação e o empreendedorismo no país, ambos cada vez mais interligados ao “online”. De fato, não faz mais sentido diferenciar “online” e “offline” como bem pontua Luciano Floridi, com o termo criado por ele, qual seja, “onlife”. Ronaldo Lemos aponta ainda que “um dos principais obstáculos é superar essa cultura anti-inovação que infelizmente é majoritária” (https://napratica.org.br/ha-uma-cultura-de-inovacao-entre-nos-que-fica-reprimida/).

Os debates mundial e regional acerca das possibilidades de crescimento econômico, competitividade internacional e sustentável, voltando-se a uma perspectiva de médio e de longo prazo, relacionam-se diretamente com a busca sistemática da inovação, o que demanda investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação, e por sua vez, relaciona-se com competividade, crescimento, melhora de salários e redução de custos, e com políticas públicas voltadas à dinamização econômica. É o que aponta Álvaro Amarante, diretor da Agência PUC de Inovação, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Paraná (“Lei da Inovação continua tendo impacto restrito no Brasil” (https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-lei-da-inovacao-e-seus-reflexos-no-cenario-juridico-atual-brasileiro/244053189).

Outrossim, segundo pesquisas realizadas pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), tal cenário seria reflexo das características estruturais da economia brasileira, com destaque para a baixa relação entre empresas e universidades e centros de pesquisa, a especialização produtiva da economia brasileira centrar-se em segmentos de baixa intensidade tecnológica, além do fato de a economia estar voltada praticamente para commodities, demandando uma transformação cultural para se agregar valor aos produtos, serviços e tecnologias , além da insuficiente quantidade de benefícios fiscais concedidos pelo poder público para a criação de centros de pesquisa e desenvolvimento (ver notícia: “Incentivos fiscais são insuficientes”, https://valor.globo.com/empresas/noticia/2014/09/22/incentivos-fiscais-sao-insuficientes.ghtml).

Um dos principais pontos de fragilidade do Brasil é, pois, a dificuldade na aproximação da academia, de empresas e do poder público, o que contribuiria para que o país seja não apenas consumidor de tecnologia, mas produtor e desenvolvedor de soluções e serviços globais. Além disso, tornar o conhecimento produzido de forma científica mais próximo e acessível para a população em geral promoveria a democratização desse conhecimento. É ainda essencial uma análise crítica e holística acerca do tema inovação e das novas tecnologias, mais do que multidisciplinar, transdisciplinar, mas indisciplinar, promovendo a combinação e mesmo mistura de diversos campos do conhecimento, trazendo um maior potencial de criatividade e inovação, portanto.

Neste sentido a falta de publicações científicas do Brasil em comparação com o nível internacional, poderia ser combatida ou minorada com um maior incentivo em bolsas e em produção de conhecimento científico, em especial no campo das humanidades, uma melhor valorização dos professores, e uma educação de melhor qualidade em geral, pois é pouca a produção em português e de países do Sul Global (no sentido das Epistemologias do Sul – Boaventura de Souza Santos e Anibal Quijano), embora o país tenha se desenvolvido em tal aspecto nos últimos trinta anos, mas ainda nossa produção científica representa somente 1,8% da produção científica mundial em inovações tecnológicas. Há, pois, um desequilíbrio e déficit de produção científica na área das humanidades em especial, além da dificuldade em reverter as produções científicas em práticas e soluções concretas.

Para isso entendemos que a análise do direito comparado é imprescindível quando se trata de pensamento científico, e ainda mais tendo em vista a cultura de inovação em outros países ser muito mais desenvolvida, diante do atraso do Brasil em tal seara, assim como está ocorrendo já com a construção da cultura de proteção de dados, a partir da LGPD e da regulação da internet com o MCI, também atrasada em relação a outros países.

A iniciativa da COLUNA TROPICAI é voltada para a promoção do debate inclusivo e democrático, com a disponibilização de conteúdo de qualidade acadêmica e rigor científico, em português. No entanto, busca atingir um público mais amplo do que o da academia, utilizando uma linguagem mais democrática. Trata-se de um protótipo de uma verdadeira plataforma colaborativa para o debate e reflexão críticos, com uma participação democrática aberta. O objetivo é contribuir para o que se considera uma democracia ampliada e cidadania ativa. É essencial uma maior conscientização geral sobre tais temáticas também para a formação e desenvolvimento do ecossistema de inovação no país e sua integração com o ecossistema de inovação global. Assim, mais do que a construção de uma “smart city”, teríamos a construção de uma “smart polis”.

Busca-se, ainda, uma perspectiva inclusiva, democrática e decolonial (“co-approach”), abrindo-se a críticas, comentários e sugestões, e sobretudo, focando-se na independência do pensar (autóctone), sem levar em consideração grupos de poder ou aspectos ideológicos, em uma co-construção que se pretende aberta e colaborativa, permitindo a discussão democrática acerca das temáticas tratadas.

Assim, enquanto se fala em velocidade para a regulação acompanhar os desenvolvimentos em velocidade alucinante das novas tecnologias, pode-se pensar tal questão sob outro ângulo, qual seja, que a regulação não tem esse viés específico, mas sim trazer direção à inovação acompanhada das novas tecnologias (Luciano Floridi, https://www.youtube.com/watch?v=BzmEcRViMeU), daí melhor se falar em “metainovação”, quando se tem a inovação aliada ao necessário discurso ético, à legislação, doutrina e jurisprudência atuais e em vigor acerca da inovação, sem focar no “ou”, mas buscando o “e”, ou seja, contribuir para a abordagem “pró-inovação” e “pró-direitos ao mesmo tempo, ao invés de se falar em um “trade-off” entre tais abordagens.

Acerca da inexistência de tal “trade-off”, e de um jogo de soma zero, ressalta Ann Cavoukian em recente entrevista realizada no âmbito do projeto UAI do IEA da Universidade de São Paulo (https://understandingai.iea.usp.br/entrevista/entrevista-com-a-ann-cavoukian-por-paola-cantarini) justamente a importância de fugirmos de tal lógica reducionista e limitadora, daí a necessidade de juntarmos a inovação com a ética digital, responsabilidade digital e responsabilidade pela inovação, ou “innovation forcing” (Hoffmann-Riem, Wolfgang. Teoria Geral do Direito Digital, pp. 13-14; p. 150 e ss), e pensar em alternativas mais holísticas e sustentáveis a longo prazo, de forma a contribuir para que o Brasil possa ser não apenas consumidor de tecnologia, mas, também, produtor e desenvolvedor de soluções e serviços globais, incentivando a promoção e criação de novas incubadoras, tecnoparques, e do ecossistema brasileiro de inovação, bem como aumentando a competitividade do país, de modo a identificar os benefícios e as oportunidades, potencializar as oportunidades positivas da inovação digital, e por outro lado evitar ou mitigar seus riscos e deficiências, apontando para seus principais desafios, ou seja, sem com isso ser um sistema frágil quanto à devida proteção de potenciais riscos à direitos fundamentais.

Acerca da inexistência desse “trade-off” e de um jogo de soma zero, Ann Cavoukian destaca em uma entrevista recente realizada no âmbito do projeto UAI do IEA da Universidade de São Paulo (https://understandingai.iea.usp.br/entrevista/entrevista-com-a-ann-cavoukian-por-paola-cantarini) justamente a importância de fugirmos dessa lógica reducionista e limitadora.

Daí a necessidade de integrarmos a inovação com a ética digital, responsabilidade digital e responsabilidade pela inovação, ou “innovation forcing” (Hoffmann-Riem, Wolfgang. Teoria Geral do Direito Digital, pp. 13-14; p. 150 e ss), e pensarmos em alternativas mais holísticas e sustentáveis a longo prazo. Isso contribuiria para que o Brasil possa ser não apenas consumidor de tecnologia, mas também produtor e desenvolvedor de soluções e serviços globais, incentivando a promoção e criação de novas incubadoras, tecnoparques e do ecossistema brasileiro de inovação. Além disso, tal perspectiva aumentaria a competitividade do país, identificando benefícios e oportunidades, de forma a potencializar as oportunidades positivas da inovação digital, e ao mesmo tempo evitar ou mitigar seus riscos e deficiências.

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