Carnaval na Academia

Fevereiro é o mês do carnaval e a Academia de Letras da Bahia entra na folia através da inspiração que acadêmicas e acadêmicos encontraram na festa momesca.

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‘O carnaval de outrora’

Paulo Ormindo de Azevedo
Cadeira 2 da Academia de Letras da Bahia

Muitos escritores escreveram sobre o carnaval, inclusive o nosso Jorge Amado. Quis reler o livro ‘Carnaval’, de Manuel Bandeira, de 1919. Para a minha surpresa ele retrata a festa como um momento de tristeza. Começa com Epígrafe: Ela entrou com embaraço, tentou sorrir e perguntou tristemente – se eu a conhecia? O aspecto carnavalesco lhe vinha menos do frangalho de fantasia do que do seu ar de extrema penúria. Mais tarde diria: Uns tomam éter, outros cocaína. Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria (1930).

Sim, para muitas pessoas o carnaval é a esperança de conseguir uma companheira ou companheiro, mas tudo volta ao normal na 4ª feira de cinzas com a solidão digital. Não se pode generalizar, para a maioria do povo o carnaval é uma festa de alegria.

Quando eu era menino, o carnaval se fazia nos clubes e nas ruas. Havia bailes noturnos em clubes da elite como o Baiano de Tênis e Associação Atlética, mas também de classe média, como o Cruz Vermelha, Fantoches, Innocentes em Progresso, e ainda no Palmeiras e no Amazonas de pessoas mais modestas. Mas durante o dia, mascarados ou não, todos iam brincar no centro, juntos e misturados. Dizia o poeta em 1930: Esta foi açafata… – Não foi arrumadeira e está dançando com o ex-prefeito municipal. Tão Brasil!

O carnaval, originalmente uma festa cristã, a despedida da carne antes da quaresma, virou a festa de Baco. Prefiro falar de carnavais, no plural, dada a diversidade dessas manifestações no tempo e no espaço. O entrudo primitivo tem muito pouco a ver com os préstitos com carros alegóricos dos anos 30 e 40 e o carnaval atual brasileiro. Do mesmo modo, os carnavais de Veneza, New Orleans, Rio de Janeiro, Recife e Salvador são muito diversos, mas têm alguns pontos em comuns, como as fantasias e as máscaras. 

Gosto da interpretação do antropólogo Roberto DaMatta para quem o carnaval é um rito de passagem, em que os foliões, ao invés de vestirem fantasias, se despem daquelas impostas pela sociedade e assumem suas verdadeiras identidades.

O carnaval tradicional de Salvador foi o mais autêntico e diversificado do país, com os préstitos dos clubes de classe média, afoxés, charangas, blocos de índios, cangaceiros e sujos. Isto mudou a partir da década de 1950 com o aparecimento dos trios-elétricos e a criação de uma indústria carnavalesca milionária. Criaram-se trios com cordas de isolamento e seguranças, e camarotes com garçons e sommeliers. A grande festa da Bahia passou a ser uma das mais segregadoras e intolerantes do país.

A cantora Claudia Leitte está sendo processada por mudar uma exclamação numa canção de axé. O que diriam os politicamente corretos hoje de cantores de clássicos como: ‘O seu cabelo não nega’, ‘Maria Sapatão’, ‘Cabeleira do Zezé’, ‘A pipa do vovô não sobe mais’, ‘As águas vão rolar’. 

Evoé Momo!