Por Fernanda Pimenta

A Capela de São Gonçalo dos Campos existia desde o século XVII, mas após a elevação do povoado a freguesia (1696) Romão Gramacho Falcão, poderoso bandeirante, financiou a construção da nova igreja que, à semelhança da Matriz de Santo Amaro da Purificação, de onde era natural. Ao longo da nave e capela‐mor existiam painéis de azulejos figurativos com representações da vida de São Gonçalo, que Santos Simões (1965) situa como de fabricação lisboeta, datada de 1770, aproximadamente.
Na década de 1930, a igreja de São Gonçalo dos Campos passa por uma primeira grande reforma realizada pelo Padre Bráulio Seixas, que lhe custou a remoção de parte dos azulejos primitivos portugueses, não se sabe se por conta da moda, do desconhecimento, da mentalidade da época, do desejo de “modernização”, ou mesmo pela dificuldade de conservação e furtos ocasionais das obras. Neste período, alguns foram vendidos a José Mariano Filho, que garimpou durante sua vida construções coloniais sobretudo no nordeste, e os instalou no Solar Monjope, que foi demolido após sua morte, na década de 1970.
No final da década de 1960, aconteceu uma nova reforma na Igreja. E um dos painéis foi doado pelo Sr. Jaques Pedreira ao Palacete Góes Calmon e implantado no Porão Alto na década de 1970, pelo diretor do Museu de Arte da Bahia, Carlos Eduardo da Rocha, quando este museu funcionava no Solar.
Este Painel conta com duas cenas de pregação de São Gonçalo do Amarante, em uma delas ele está em um púlpito e na outra no chão junto aos fiéis. O santo português seria padroeiro dos ossos e das pessoas que buscam casamento. Pode-se perceber que o estilo da pintura é diferente dos demais que estão na Academia de Letras da Bahia. Este inclui aspectos do estilo rococó, inclusão de cores como o castanho e amarelo, além do azul e brando, e inclusão de pinturas imitando a textura do mármore, comuns para a segunda metade do século XVIII.
É visível que o painel tenha sido mutilado quando foi instalado no Solar, pois a moldura superior está cortada. Encontramos alguns azulejos soltos pertencentes a este painel no acervo do Museu de Arte da Bahia, na sede do Corredor da Vitória, que devem ter ido para lá na mudança de endereço do referido Museu. Estamos em negociação com o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia para doação à Academia de Letras da Bahia destes azulejos que serão instalados ao lado da referida obra, ajudando a contar um pouco sobre esta memória e patrimônio baianos.



Referências:
AZEVEDO, Paulo Ormindo. As moradas das letras baianas. In: HOISEL et al. Academia de Letras da Bahia: um século de história. Edufba/ALB, 2018. 339p
BAHIA, Inventário de Proteção do Acervo Cultural do Estado da Bahia, vol. III, Salvador, 1982, pp. 367‐368;
BOAVENTURA, E.M. As três funções do Solar Góes Calmon: residência da família, Museu do Estado da Bahia e Sede da Academia de Letras da Bahia. R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 180(481): 305-328, set./dez. 2019
IPAC-Ba. Inventário de proteção do acervo cultural da Bahia; monumentos e sítios do Recôncavo, II parte. 2 ed. Salvador, 1997, v. 3. Il. P. 367-68.
ROCHA, C. E. Azulejaria da Casa Góes Calmon. Salvador: Gráfica Press Color, 1993
SIMÕES, J. M. Santos, Azulejaria portuguesa no Brasil, 1500‐1822, Lisboa, 1965, pp.169‐170.